Uma das maiores referências na área da educação no Brasil e no mundo, o educador, filósofo e escritor pernambucano Paulo Freire completaria 100 anos neste domingo (19), caso ainda estivesse vivo. Nascido no dia 19 de setembro de 1921, em Recife, Freire revolucionou o pensamento sobre o ensino no século XX.
Declarado patrono da educação brasileira em 2012, além de outros prêmios e reconhecimentos internacionais, Paulo Freire dedicou-se aos desafios de democratizar o ensino, com uma visão de campo voltada à construção de uma sociedade democrática, impulsionada por diálogo crítico, fala e convivência.
“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.
Paulo Freire
Essa famosa frase acima representa bem a obra do filósofo, cientista social e professor Paulo Freire, que comemoraria seu aniversário de 100 anos neste domingo (19). Ele morreu no dia 2 de maio de 1997, aos 75 anos, vítima de um ataque cardíaco, em São Paulo. O pensador ficou conhecido pelos seus estudos a respeito da construção de uma educação acessível, crítica e reflexiva, distribuídos em seus mais de 15 livros.
Discutindo questões voltadas à prática docente, Paulo Freire propôs um método de alfabetização estruturado no diálogo e no aprendizado mútuo entre educando e educador. De acordo com o modelo, a aproximação entre o conteúdo acadêmico e o cotidiano do estudante proporciona a construção conjunta de ideias. Na década de 60, Freire colocou seu método em prática ao alfabetizar 300 cortadores de cana em 45 dias, na cidade de Angicos, no Rio Grande de Norte. O feito consolidou e trouxe visibilidade para as suas teorias.
Paulo Freire é o terceiro pensador mais citado do mundo na área de Ciências Humanas, de acordo com levantamento do Google Scholar. A obra “Pedagogia do Oprimido” integra a lista dos 100 livros mais pedidos em universidades de língua inglesa de todo o planeta, segundo o projeto de estudo Open Syllabus. Após a morte de Paulo Freire, foram criados 19 institutos com seu nome no Brasil e no Exterior. Ele é um dos brasileiros mais homenageados de todos os tempos.
Legados de Paulo Freire
Diante da comemoração do centenário de Paulo Freire, especialistas em educação destacam o papel da obra freiriana na construção de indivíduos com pensamento crítico. De acordo com Leticia Lyle, cofundadora da Camino Education e diretora da Camino School, em São Paulo, Freire foi um dos primeiros pensadores da educação, não apenas no Brasil, como em todo mundo, a colocar em primeiro plano os contextos da individualidade.
“A diversidade precisa ser compreendida para que o processo de aprendizagem aconteça. Antes da pedagogia freiriana, trabalhava-se aquele conteúdo que seria meramente depositado. Freire acreditava que todos e todas temos muitas riquezas, logo, essas singularidades transformam o processo de conhecimento. Com esse raciocínio, ele fez com que o processo educacional pudesse ser um pilar da equidade”, explica.
Lyle pondera que só se chega à equidade quando existe empenho do time pedagógico para que isso ocorra efetivamente. “A proposta da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) vislumbra a intencionalidade pedagógica em sua raiz e está muito alinhada ao que propõe o patrono. A metodologia da aprendizagem ativa, que praticamos na Camino School, propicia oportunidades de que esse processo ocorra. Em linhas gerais, a intencionalidade pedagógica está diretamente relacionada com a didática. Atualmente, a tecnologia permite que essas ideias do Paulo Freire possam tomar forma, abrindo espaços para indivíduos que interagem e fazem perguntas”, aponta a diretora da Camino School.
Além da sala de aula
Para João Guilherme Porto, diretor da Faculdade Arnaldo, em Belo Horizonte, Paulo Freire revelou ao mundo uma educação para além da sala de aula e da educação formal. “Atualmente muito se fala das metodologias ativas, mas este conceito já era algo há muito defendido pelo Paulo Freire. A ideia do diálogo entre professor e aluno, procurando transformar o estudante em um aprendiz ativo, com o estudante no centro da relação de aprendizagem é o maior legado dele, no meu ponto de vista, pois trouxe e ainda traz a desmistificação do ‘dito mestre’ e o caráter recíproco da relação de ensino, sem o qual não acredito que haja aprendizado e sim mero treinamento”, analisa.
Professor de Filosofia e Ensino Religioso do Colégio Nossa Senhora das Dores, em Belo Horizonte, Gregory Rial acredita que o educador operou uma mudança de paradigma no pensamento pedagógico. “Até então, a pedagogia tradicional lidava com o aluno como uma espécie de depositário de informações, mas o Paulo Freire demonstrou que o aluno, na verdade, é o protagonista, não só um destinatário. Ele é o grande construtor do conhecimento”, afirma o especialista.
“Outro impacto dentro da pedagogia, que está muito relacionado com o primeiro, foi colocar o estudante com aquilo que ele sabe para ser o ponto de partida do processo pedagógico”.
Gregory Rial
Gregory Rial pontua que os escritos e pensamentos de Paulo Freire também inspiram vocacionalmente os professores para assumir a posição de educadores. “Eu penso que este legado está relacionado também a uma postura muito séria que o Paulo Freire inspira nos professores de que eles precisam se aprofundar, eles precisam conhecer, eles precisam estudar, mas eles também precisam agir. O bom profissional da educação é aquele que não separa a teoria da prática, mas que une. Isso fica muito evidente em seus textos, que é uma forma muito acessível e ao mesmo tempo muito bem fundamentada”, conclui.
Governo Bolsonaro proibido de atacar Paulo Freire
Na última quinta-feira (16), atendendo a pedido feito pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), a Justiça Federal do Rio de Janeiro proibiu o governo federal de praticar qualquer ato institucional atentatório à dignidade do educador Paulo Freire, diante da depreciação pública que ele vem sofrendo nos últimos anos por parte do presidente Jair Bolsonaro e seus aliados de extrema direita.
A liminar foi deferida pela juíza Geraldine Vital, em caráter provisório e de urgência, portanto ainda cabe recurso por parte da Advocacia-Geral da União (AGU). “Quando há abuso de direito pela expressão que ameace a dignidade, tem-se violação capaz de liquidar a finalidade da garantia constitucional, desfigurando-a”, afirma a decisão judicial.
